Thursday, October 01, 2009

A Poesia Lúcida, in Persona.



Recordo-me com alegria daquele espanto gostoso que senti quando li os poemas de Lucinda Persona pela primeira vez nos meados da década de 90, aquele "Por Imenso Gosto", e poder constatar a fina sutileza com que ela arrancava poesia das coisas mais simples e das cenas mais breves. Tratava-se de seu primeiro livro de poemas, que fora publicado somente em 1994 pela editora Massao Ohno, mas se via que era jóia-rara, uma peça de fina poesia, que a autora vinha bordando desde menina.



"Clarões de sol e de lua / invadem / minhas zonas de impedimentos / derretem meus centros / modelam meu plasma / em túmidas expectativas / retiram um sumo adocicado / dos meus sonhos."


Uma professora de biologia da UFMT em Cuiabá, mestre em Histologia e Embriologia e dona de casa, alheia aos grandes e pequenos circos literários, mas que ostentava a insígnia da herança de grandes poetas do interiores do Brasil como Cora Coralina ou Adélia Prado. Tímida e serena, esta nossa poeta! Em comum, além de um apego à arte da palavra, tínhamos o fato de um dia termos saido do Paraná e pegado o caminho do oeste, mais estreito como queria Frost, para ir tentar fazer a vida.


Pois bem, desde então a poeta já publicou "Ser Cotidiano" 1998; "Sopa Escaldante" 2001 (prêmio Cecília Meires -2002 - da UBE); "Leito de Acaso" 2004 e este "Tempo Comum" 2009, publicado pela editora 7 Letras.



Continua sereníssima esta nossa lúcida Lucinda, e compondo suas belezas com requinte, neste seu quinto livro "Tempo Comum" que pode ser encontrado à venda em livraria das grandes cidades do país e que terá o seu lançamento em Cuiabá neste dia 07 de outubro, na choparia do SESC Arsenal, a partir das 19 horas. Por favor, não percam!



"Ponho em todas as palavras / uma alegria serena / porque me fazem grandes coisas."

Numa leitura apressada, neste "Tempo Comum, a poeta trata dos seres, dos objetos que o cercam, dos lugares que esteve e que almeja estar e também de seus sonhos. Isto tudo, para um livro de poemas, não é pouco! Mas como em toda boa poesia, este ser é a própria poeta que nos seus exercícios de leitura do mundo quer compor a si mesma e vai pintando com palavras suas cenas de alumbramentos, de saudades boas, de devaneios, enfim aquilo tudo que as gentes sentem mas que não sabem ainda falar. E isto sim, não é pouco!





Dois Poemas


EM HORA CREPUSCULAR



Ela (mulher velada)
olha para os confins
da rua suburbana
Aos poucos
os elementos de sua rotina
perdem contorno e contraste
Quando Ele ainda é um ponto
dançando no horizonte
das coisas habituais
Ela já se aquece
tem sido completa
no seu reino simplificado
Ele (homem de transparências)
vem devagar pelo meio-fio
Ela
não se furta ao sonho diário
de vê-lo crescer
e Ele cresce
dentro dos olhos pássaros dela
e dentro do que nela é tépido.



Lucinda Persona, In: "Por Imenso Gosto" Ed. Massao Ohno - 1994.

***

TALVEZ DEMORE

Uma fórmula universal se expande
a da recordação
E eu me encolho
(fato que não é muito simples)
Mas que alegria
Encolher-me até a infância
é um crescimento
Reencontro minha casa
Revejo minha sala
Reparo minha vida
São cinco horas da tarde
e todos saíram
Não posso perder
este tempo comum
Bem calmamente
em malfeita cadeira
estou frente à mesa
que a renda familiar
não permite mais fina
Não tiro os olhos do papel
Estou a ler e escrever
Talvez demore uma hora
Talvez demore a vida inteira.



Lucinda Persona, In: "Tempo Comum" Ed, 7 Letras - 2009.