Saturday, July 15, 2006


A Poesia Difícil - II-

Vida difícil essa, a da poesia: dificíl de escrever, difícil de publicar, poemas publicados são de difíceis leituras, and so on... Poetas são morituros, poesia menos. Por isso então poetas poetam e se matam para que a poesia possa ao menos morrer menos. Cá comigo, acho mesmo mais difícil de escrever do que ler poesia. Inda que a leitura do poema careça, quase sempre, releituras. Isto é bom, encarece o poema, torna-o mais querido nosso!
Acho que por isso também essa minha difícil atualização deste bloguito, sorryem-me...
Na verdade lhes falo de um específico poema difícl, Estela. Estela veio de adoçar a palavra estrela, melhor, da estrela represada na sarda. O primeiro brilho deste poema vislumbrei na infância, de uma frase de um livro de José Mauro de Vasconcelos: "Estrelas são sardas na pele da noite, meu filho...", dizia ele pela boca de uma égua que explicava ao seu potrinho recém-nascido o que eram as coisinhas brilhantes coladas no céu. Se estrelas não sardas na pele da noite, o que então seriam as sardas na pele de uma Estela? Comecei a questionar e questionar, sem nunca ter alcançado resposta nenhuma... O livro era "Coração de Vidro", um belo livro infantil, mas não trazia respostas às minhas indagações!
Tive que uma vez inventar uma Estela dotada de uma beleza incomum, provavelmente formada de partes de belas mulheres que conheci ou que imaginei, tive que despi-la, e cultivar sardas em seu dorso, tive que bordar uma noite estrelada para cobri-la... Mas isto demorou muitos anos! Tive, para isso, que muitas vezes ficar boquiaberto para a noite estrelada e nada... Tive que engolir meu espanto diante de belas mulheres sardadas, e nada... Tive cá minhas fases de balbuciar frases desencontradas e, lentamente, fui compondo o poema que vos falo.
Ah!, teve também uma vez, que sob o manto de uma noite estrelada tentei explicar a uma amiga minhas sérias intenções de cometer este poema. Na ocasião devo ter explicado-lhe mui belamente como o poema deveria ser, porque ela comentou: "... menos! ...menos! Acho que você nunca fará um poema assim!" Anos depois o poema se fez, se fez menos, é claro.

Outro ah: depois aprendi que livros normalmente são mais importantes pelas perguntas que nos fazem ter do que pelas respostas que trazem!



ESTELA

"Sei que plena de tarde Estela espera
e na janela suspira, anseia e arde
e seus olhos apelam tênues estrelas
que ela quer despertar às seis da tarde.
Mas o fusco que desce a empalidece
quando nuvens se vestem multicores
se preparam, talvez, pra alguma festa
mas estrelas nenhuma lhe aparecem...
e da janela padece, parda e vela."

"Quando a pele da face lhe emudece
e no impudico da hora a noite despe-se
sob um ínfimo véu, estrelas tecem
sobre a pele da noite, louras sardas...
espelhadas nos olhos que me esquecem
elas brilham alheias à minha espécie
pois, vestida de noite, Estela estrela
e me investe um medo de perdê-la..."

"Meia noite e meia ela me encontra
meio feita de fome e meio pronta
e com gosto de céu no céu da boca
ela pasta do fogo em minha pele
que de tanto esperar tem sede dela.
Muito louca, ela esfera estreitos cheiros
e profere gemidos em língua bela
que me xingam de amor a noite inteira
e encabulam as estrelas da janela."

"Certas horas da noite o sono acorda
e ela agora dormindo borda sonhos
e se deixa banhar na brisa morna
e seu dorso de alvores furta cores
ao arfar evapora a cor da aurora
e no céu que aniliza estrelas tardam
o sol flora e ao vê-la se apavora...
pois na pele de Estela estrelam sardas
e as estrelas que restam desarvoram."

Altair de Oliveira – In: O Embebedário Diverso

6 Comments:

Anonymous Anonymous said...

A arte de escrever de recolher palavras símbolos que retratam a vida abstrata de um ser.Meu amigo se tamanho talento fosse medido estarias unânime na arte de escrever !

Saudades

Bjo

8:57 PM  
Anonymous Anonymous said...

Impressiono-me com tua capacidade de trazer para o mundo das palavras, essa carga de sentimentos que por muita vezes se pode "apenas" deixar-se sentir, sem muito entender. Singelas palavras de um eterno noivo da chuva, enquanto ela arruma sua festa, as sardas festejam a tua chegada, Altair !!

Um abraço apertado !

10:25 PM  
Anonymous Anonymous said...

Poesia é mais difícil de escrever e não menos difícil de ler, eu diria, quanto mais rica; e a tua flui como como uma nebulosa de sardas - digo, estrelas... Estela que o diga!

Beijos e parabéns

4:16 AM  
Anonymous Anonymous said...

Querido amigo. Li recentemente uma entrevista de Saramago e fiquei surpresa por alguns segundos diante a afirmação de que ler literatura é algo para poucos e não para todos. Isso parece preconceito mas no fundo não é . Veja, nem todos se entregam da mesma forma a experiências de prazer, ainda mais estético. Seria sim um preconceito acharmos que todos tivessem o senso estético voltado para a poesia, musica e artes plásticas. Podemos ser apenas alguns poucos mas nossa leitura e a tua escrita valem sim por muitos olhos de consumidores apressados . Jinhos

3:47 PM  
Anonymous Anonymous said...

Altair adorei seu blog, parabéns pela sensibilidade e talento!Beijos

6:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

A descrição do processo de criação da tua Estela já é uma poesia...que alma, poeta!!!!

3:11 PM  

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