Sunday, May 21, 2006


Às bordas do paraíso próximo.

Hoje um breve vislumbre da obra de dois grandes artistas, representantes da dita arte sensual e que gozam da minha mais alta consideração; o primeiro é o pintor austríaco Egon Schiele (1890-1918), admirador e aluno do então famoso Gustave Klimt, às vezes referenciado no expressionismo alemão e que foi dizimado pela febre espanhola, juntamente com sua jovem esposa Edith.
A importância deste jovem pintor está hoje ligada às manifestações que às liberações sexuais que as idéias de Freud provocaram nos artistas e na sociedade de então. Pintava escandalosamente o rapaz, um experimentalista que compulsivamente traçava o que lhe estava mais próximo, caras & corpos seus e de sua esposa mulher na maioria das vezes, o que lhe causou um posterior isolamento de seu trabalho, meio que condenado à arte maldita ou à arte erótica. Arte que, aos olhos da nossa boa sociedade, é menor. Curiosamente o retrato que temos aqui é a irmã do pintor, pudorosamente trajada e sem corpo.
O segundo é o poeta português David Mourão Ferreira, que foi também professor da Faculdade de Letras de Lisboa, conhecido internacionalmente por sensualmente cantar inquietações do amor, a emoção maior que, à mira dos críticos, é quase sempre condenada à falta de arte ou à arte fácil and so on.
É como se arte tivesse muito coisas a fazer do que trasladar emoções. Mundo às vezes muito triste este!

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Penélope

Mais do que um sonho: comoção!
sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.

David Mourão Ferreira

Monday, May 08, 2006

MALDITAS (OS) ou MAL-LIDAS (OS)? - II

A poesia da carioca Gilka (da Costa de Melo) Machado (1893-1980) passou, ao longo dos anos, aos olhos da crítica e dos literatos quase sempre associada à libertinagem ou ao estigma de uma poesia menor, ou a uma poesia de amor escandaloso ou mesmo de uma poesia erótica ou estritamente feminina.
Já em 1922, enquanto o mundo “cult” do país respirava e transpirava a dita “Semana de Arte Moderna”, Gilka, que já havia publicado antes, editava o seu “Mulher Nua”, um livro arrojado demais para uma dama da época, mas que aos poucos foi angariando admiradores. E em 1928 ela retornava com “Meu Glorioso Pecado”, quatro anos depois uma antologia de seus poemas era publicada na Bolívia e, em 1933, através de concurso na revista carioca “O Malho” a poeta alcançou a glória, sendo eleita pelos leitores como “A maior poetisa do Brasil”.
A partir daí, a esposa (e depois viúva) do poeta Rodolfo Machado, de quem herdou o sobrenome, começou a ser um pouco mais notada pelo mundo dito cultural e, aos poucos foi tomando espaço dentro do enquadramento que lhe deram como “a poetisa mais representativa do simbolismo”. Apesar disto, esta distinção de “simbolista” não lhe dava (ainda hoje muito raramente lhe dá) o direito de constar na pequena lista de autores simbolistas estudados na literatura escolar.
Seus poemas, entretanto, continuaram a ser produzidos e publicados e, apesar das dificuldades financeiras da autora e das poucas edições, saía em 1978 a publicação de “A Poesia Completas de Gilka Machado”, um livro difícil de ser encontrado. Seus leitores, contrariando a impedância a que está submetida sua poesia, continuam crescendo dia a dia, à margem do mercado editorial e dos conselhos editoriais que os cercam. Viva a Gilka!!!


Ser Mulher ...

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida; a liberdade e o amor;
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior...

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor;
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor...

Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...

Ser mulher, e, oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

Gilka Machado In: Cristais partidos (1915).