Sunday, July 23, 2006

QUENTAL, UM POETA GENIAL!

Taí um poeta que sempre admirei, um dos grandes poetas portugueses, que sem dúvida ainda amamentam a espinha cultural desta alma de língua portuguesa, Antero Tarqüínio de Quental. Revolucionário, polêmico, político, boêmio, declamador e culto; este Antero fez liderança entre os jovens de seu período estudantil, exalava o espírito do século (segunda metade do séc. XIX) afrontou e chocou a sociedade cultural portuguesa reinante, chegou a montar sua própria sociedade secreta (Sociedade do Raio), com ritos misteriosos, o que nos lembra à nossa velha conhecida e descrita no filme “Sociedade dos Poetas Mortos”. Escreveu “Odes Modernas” aos 20 anos e publicou-o um ano depois, em 1865, causando entusiasmo e perplexidade. Mas a sua primeira grande polêmica foi a chamada “Questão Coimbra” que se deu a seguir, quando o acadêmico e laureado poeta cego Antônio Feliciano de Castilho, seu antigo mestre que já o havia considerado Antero de talentoso e genial, ataca ferozmente a sua poesia, juntamente com a poesia dos também jovens Teófilo Braga e Vieira de Castro, acusando-os de antipoéticos e obscuros e ainda afirmando que tinham fastio de morte à verdade e à simplicidade. A resposta de Quental veio à altura, nos textos “Bom senso e Bom gosto” e “A dignidade das letras e a literaturas oficiais” que, engolidas a seco pelo velho bardo, alimentaram às mesas das discussões poéticas em Portugal por longo e bom tempo. Formado, o poeta hesitou em descobrir o que fazer, pensou em unir-se ao grupo de Garibaldi que lutava para unificação da Itália. Tentou viver na França e nos Estados Unidos, sem muita convicção, e acabou por retornar à Portugal e se estabelecendo em torno do grupo cultural, boêmio e político denominado “Cenáculo”, do qual também participaram Eça de Queiroz e Guilherme Azevedo, entre outros. Tem aí uma participação política e intensa, envolve-se com a filosofia e começa a sentir os primeiros sintomas de sua doença misteriosa (similar à depressão), o que o faria buscar cura em vários lugares, inclusive em Paris, com o famoso Dr. Charcot, um dos gurus do jovem Freud.
Em 1881 o poeta adota 2 órfãs e isola-se em Vila do Conde, influenciado pelo estoicismo e pelo budismo. Em 1890 Antero decide voltar às atividades políticas, aceitando a presidência da “Liga Patriótica do Norte”, com sede em Porto, o que lhe daria uma grande decepção já que a liga rompeu-se a seguir devido às incompatibilidades e cisões internas do próprio grupo. Retorna à São Miguel e entre em conflito com sua própria família, que não aceita suas filhas adotivas, e agrava-lhe a doença. Durante uma crise, em 11 de setembro de 1891, suicida-se junto ao muro do convento Esperança.Os primeiros escritos de Quental eram da época romântica, mas combatiam justamente o romantismo, talvez exatamente isto tenha contribuído para que seus poemas de juventude fossem mal recebidos pelos literatos oficiais de então. Antero era leitor de autores revolucionários como Poe, Baudelaire, Proudhon; tinha vindo de uma família de padres e poetas boêmios (seu avo fora amigo de Bocage); era também um adepto do socialismo nascente e um leitor apaixonado de filosofia que tinha uma inteligência incomum. Considerado um dos grandes sonetistas da literatura portuguesa ao lado de Camões e Bocage, seu sonetos me fazem lembrar os nossos grandes Raul de Leoni e Mário Faustino. Magnífico. Há uma briga constante entre o bem e o mal em seus textos, quase que uma tentativa (vã?) de construir o deus dentro do homem! Há também um fascínio intenso sobre a arte de pensar, penso quase que divinava isso.

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DOIS SONETOS

DIVINA COMÉDIA

Erguendo os braços para o Céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: - «Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triunfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inextinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
Num turbilhão cruel e delirante...

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: - «Homens! porque é que nos criastes?!»

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TORMENTO DO IDEAL

Conheci a Beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre,

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre:
Assim eu vi o Mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do Sol e sobre o mar discorre.

Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço, sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.

Recebi o batismo dos poetas,
E, assentado entre as formas incompletas,
Para sempre fiquei pálido e triste.

Antero de Quental In: Antologia - Ed. Nova Fronteira.

Saturday, July 15, 2006


A Poesia Difícil - II-

Vida difícil essa, a da poesia: dificíl de escrever, difícil de publicar, poemas publicados são de difíceis leituras, and so on... Poetas são morituros, poesia menos. Por isso então poetas poetam e se matam para que a poesia possa ao menos morrer menos. Cá comigo, acho mesmo mais difícil de escrever do que ler poesia. Inda que a leitura do poema careça, quase sempre, releituras. Isto é bom, encarece o poema, torna-o mais querido nosso!
Acho que por isso também essa minha difícil atualização deste bloguito, sorryem-me...
Na verdade lhes falo de um específico poema difícl, Estela. Estela veio de adoçar a palavra estrela, melhor, da estrela represada na sarda. O primeiro brilho deste poema vislumbrei na infância, de uma frase de um livro de José Mauro de Vasconcelos: "Estrelas são sardas na pele da noite, meu filho...", dizia ele pela boca de uma égua que explicava ao seu potrinho recém-nascido o que eram as coisinhas brilhantes coladas no céu. Se estrelas não sardas na pele da noite, o que então seriam as sardas na pele de uma Estela? Comecei a questionar e questionar, sem nunca ter alcançado resposta nenhuma... O livro era "Coração de Vidro", um belo livro infantil, mas não trazia respostas às minhas indagações!
Tive que uma vez inventar uma Estela dotada de uma beleza incomum, provavelmente formada de partes de belas mulheres que conheci ou que imaginei, tive que despi-la, e cultivar sardas em seu dorso, tive que bordar uma noite estrelada para cobri-la... Mas isto demorou muitos anos! Tive, para isso, que muitas vezes ficar boquiaberto para a noite estrelada e nada... Tive que engolir meu espanto diante de belas mulheres sardadas, e nada... Tive cá minhas fases de balbuciar frases desencontradas e, lentamente, fui compondo o poema que vos falo.
Ah!, teve também uma vez, que sob o manto de uma noite estrelada tentei explicar a uma amiga minhas sérias intenções de cometer este poema. Na ocasião devo ter explicado-lhe mui belamente como o poema deveria ser, porque ela comentou: "... menos! ...menos! Acho que você nunca fará um poema assim!" Anos depois o poema se fez, se fez menos, é claro.

Outro ah: depois aprendi que livros normalmente são mais importantes pelas perguntas que nos fazem ter do que pelas respostas que trazem!



ESTELA

"Sei que plena de tarde Estela espera
e na janela suspira, anseia e arde
e seus olhos apelam tênues estrelas
que ela quer despertar às seis da tarde.
Mas o fusco que desce a empalidece
quando nuvens se vestem multicores
se preparam, talvez, pra alguma festa
mas estrelas nenhuma lhe aparecem...
e da janela padece, parda e vela."

"Quando a pele da face lhe emudece
e no impudico da hora a noite despe-se
sob um ínfimo véu, estrelas tecem
sobre a pele da noite, louras sardas...
espelhadas nos olhos que me esquecem
elas brilham alheias à minha espécie
pois, vestida de noite, Estela estrela
e me investe um medo de perdê-la..."

"Meia noite e meia ela me encontra
meio feita de fome e meio pronta
e com gosto de céu no céu da boca
ela pasta do fogo em minha pele
que de tanto esperar tem sede dela.
Muito louca, ela esfera estreitos cheiros
e profere gemidos em língua bela
que me xingam de amor a noite inteira
e encabulam as estrelas da janela."

"Certas horas da noite o sono acorda
e ela agora dormindo borda sonhos
e se deixa banhar na brisa morna
e seu dorso de alvores furta cores
ao arfar evapora a cor da aurora
e no céu que aniliza estrelas tardam
o sol flora e ao vê-la se apavora...
pois na pele de Estela estrelam sardas
e as estrelas que restam desarvoram."

Altair de Oliveira – In: O Embebedário Diverso